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Minha Análise Ergonômica mais Difícil

29 de abril de 2021Por Debora Dengo0

Da mesma forma que precisamos conhecer métodos e dicas que nos ajudem a realizar nossas Análises Ergonômicas, também é importante entendermos que muitas delas podem nos trazer desafios, dificuldades e situações inéditas. A ergonomia, assim como outras profissões, tem suas particularidades, por isso devemos estar sempre dispostos a aprender com o que a vivência na profissão nos trás.

 É claro que na minha carreira já lidei com várias situações desafiadoras na ergonomia, mas o que torna uma análise ergonômica mais difícil do que as outras? Primeiro, o fato de ser algo completamente novo, seja por que não existe nenhum estudo sobre aquela atividade ou por que não há uma metodologia, ferramentas e embasamentos específicos para analisá-la. Isso pode acontecer quando temos uma atividade inexplorada ou com pouca demanda.

Quando encontramos uma vasta literatura, artigos e pesquisas sobre o tema analisado, já fica bem mais fácil, pois temos um ponto de partida.  O fato de existir uma ferramenta para a análise também ajuda bastante, pois mesmo se você não tiver feito nada parecido antes, já contará com algum embasamento.

 

POR QUE PODEMOS ENCONTRAR ANÁLISES DIFÍCEIS DE REALIZAR?

A ergonomia é um dos ramos profissionais mais amplos que existem. Isso faz com que seja comum lidarmos com situações inéditas e desafiadoras. Um ergonomista analisa desde o administrativo de uma empresa a uma linha de produção. Professores, médicos, operadores de caixa, pedreiros – todos são trabalhadores e todos precisam da ergonomia.

Justamente por ela ser tão ampla, é impossível haver referências, linhas de estudo, ferramentas e normas para todas as situações existentes. Cada cliente é uma nova realidade que conhecemos. Inclusive, em breve teremos especificações de atuação dentro da ergonomia, com profissionais que atuam em uma área apenas, de forma nichada, como ergonomista de escolas ou de hospitais, por exemplo.

 

A MINHA ANÁLISE ERGONÔMICA MAIS DIFÍCIL

Minha análise ergonômica do trabalho mais desafiadora foi com bailarinas e acrobatas, que eram funcionários CLT de um circo. Uma oportunidade incrível e enriquecedora na minha carreira.

A atividade desses profissionais envolve muitos fatores de risco ergonômicos. Se o profissional de ergonomia optar por uma avaliação 100% técnica nesse caso, ele irá apontar risco em tudo, por isso é preciso ter bom senso.

Só de assistir as atividades realizadas, foi possível identificar quatro fatores de risco:

– Realização de posturas extremas o tempo inteiro. Muitas delas, inclusive, ultrapassam a angulação máxima de uma articulação, o que vai muito além do limite de risco ergonômico. Os acrobatas chegam a realizar 150 graus de flexão de coluna, sendo que o máximo que encontramos de referência é 95 graus, ou seja, é algo que nem está nos livros e supera a capacidade fisiológica;

– Alto ritmo de trabalho durante as apresentações;

– Alta elevação de peso: os acrobatas muitas vezes fazem pirâmides humanas, levantando uma ou duas pessoas no ombro, que também levantam outras pessoas e assim o peso vai se acumulando;

– Alta exigência de atenção, concentração e memória. É preciso estar muito atento e concentrado para realizar todos os movimentos sem erros. Além disso, é necessário memorizar as coreografias das apresentações;

A grande questão aqui é que todos esses fatores de risco ergonômicos são inerentes ao trabalho dessas pessoas, ou seja, se você elimina esses fatores, a profissão deixa de existir, o espetáculo deixa de existir. Por isso, é difícil fazer qualquer sugestão, pois não podemos acabar com a magia das apresentações.

Essa análise ergonômica foi um desafio, pois eu fiquei preocupada com as situações de fatores de risco ergonômicos que encontrei. Ao mesmo tempo, precisava de muita cautela para propor qualquer recomendação de melhoria, caso contrário poderia acabar com o show. Além disso, não havia nenhuma referência de análise já realizada, eu não conhecia ninguém que já tivesse analisado algo parecido, nem encontrei estudos prévios, metodologias ou normas. A grande maioria desse tipo de profissional, inclusive, é autônomo e não CLT, o que torna ainda mais raro a realização de análises ergonômicas.

 

Sendo assim, decidi buscar três auxílios: 

– O histórico ambulatorial da empresa, para checar queixas, atestados e afastamentos entre os trabalhadores;

– Medidas de controle, para entender com o que os artistas contavam de medidas para as atividades realizadas;

– Percepção dos trabalhadores sobre o trabalho: o que eles sentiam, se tinham queixas, o que achavam do trabalho e se viam algo a ser melhorado.

Para a análise ambulatorial, contei com o suporte da enfermeira e do fisioterapeuta da equipe, realizando uma busca nos atestados desses bailarinos e acrobatas. Em dois anos, não havia nenhum atestado CID-M, que é o atestado para doença osteomuscular, nenhum afastamento ou queixa relevante. Ou seja, os dados ambulatoriais estavam positivos.

Para checar as medidas de controle, conversei com o fisioterapeuta da equipe e descobri que eles se apresentavam de quinta a domingo, folgando de segunda a quarta. Porém, de segunda a quarta eles treinavam com profissionais da área, fazendo todo trabalho de preparação muscular, alongamento, fortalecimento, pilates, sempre acompanhados do fisioterapeuta desportivo e de personal trainer, além de nutricionista para uma alimentação que atendesse às suas necessidades. Ou seja, eles eram muito demandados, mas eram preparados e recebiam suporte adequado para isso.

Outro ponto importante no controle é que eles não faziam atividades intensas e desgastantes o tempo inteiro. Eram de uma a duas apresentações por dia, com duração de uma hora e meia no máximo, assim não existiam longos períodos de exigência do corpo.

Por fim, nas entrevistas e ao aplicar os questionários, notei que eles estavam muito satisfeitos com o trabalho e com suas atividades. Entre as perguntas, questionei se eles sentiam muita dor, se já haviam se machucado no trabalho, se já haviam tido atestados médicos relacionados às apresentações, se tinham alguma exigência muito pesada, algum movimento muito incômodo e se viam situações que precisavam de melhoria. Todas as respostas indicavam que eles não lidavam constantemente com dores ou incômodos e que adoravam o que faziam.

Além disso, a grande maioria desses profissionais já tinha uma predisposição genética, que chamamos de frouxidão ligamentar na área da fisioterapia, que dá uma flexibilidade maior que o normal. Essa condição não causa problemas se a pessoa desenvolve um bom fortalecimento e não possui uma vida sedentária, portanto todos conviviam muito bem com isso.

Ao realizar todo o levantamento e analisar os resultados, entendi que nem tudo é igual. Uma postura que para uma pessoa comum é incômoda, para um acrobata é algo normal. Esses profissionais não tinham riscos ergonômicos. Eles tinham apenas exigências ergonômicas e como contavam com medidas de controle eficazes e preparação adequada, nada virava um risco.

Não havia histórico ambulatorial de queixas, doenças ou afastamentos por fator osteomuscular, eles contavam com suporte de fisioterapeuta e personal trainer, realizando exercícios de fortalecimento, alongamento e demais atividades para preparação muscular, realizam pausas, não tinham longas jornadas de trabalho, estavam verdadeiramente satisfeitos com a rotina profissional e contavam com a predisposição genética, que permite a realização de  posturas extremas. Ou seja, dentro desse cenário e tudo que já era feito para a saúde e bem-estar desses profissionais, não havia risco ergonômico e não era necessário fazer nenhuma sugestão de melhoria.

 

O QUE EU APRENDI

Essa análise ergonômica foi importante para me ensinar alguns pontos:

– Nem tudo é a mesma coisa: analisar um trabalhador na linha de produção que flexiona a coluna em 60 graus é bem diferente de analisar um acrobata. As medidas de controle, a duração da atividade, as pausas, os dias de folga, o preparo físico, tudo é muito diverso e torna a análise totalmente diferente;

– É necessário ponderar: nesse caso, eu ponderei todos os indicativos que recebi. Não havia histórico ambulatorial negativo, eles tinham pausas, medidas de controle eficazes, com total acompanhamento de profissionais especializados, não tinham uma longa jornada de trabalho, não tinham queixas sobre a rotina de atividades e ainda contavam com a capacidade genética. Ao olhar todo esse contexto e não apenas um fato isolado, vi que não existia risco. É importante ter essa visão, ou caso contrário você pode errar em sua análise e prejudicar a empresa.

Como profissionais de ergonomia, devemos entender que, pela natureza da profissão, estamos sempre buscando os riscos da atividade analisada, as situações que estão erradas, os problemas. Mas, às vezes, eles realmente não existem. Assim, precisamos ter sempre bom senso, prudência e atenção.

 

Me conta nos comentários qual foi a sua AET mais desafiadora!

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Por Debora Dengo

Debora Dengo é formada em Fisioterapia com especialização em Ergonomia, Auditoria e Saúde do Trabalhador pela Universidade Positivo, atua há 7 anos com Ergonomia e Saúde do Trabalhador em dezenas de empresas. Possui Formação técnica e cursos pela EPM – International Ergonomics School e Escola Ocra Brasiliana em Check List Ocra, Niosh by Ocra, Ciclos Longos e Alta Precisão e MAPHO. Além de outras ferramentas de análise de risco ergonômico. Tendo total domínio de todas as ABNT NBR ISO de Ergonomia e Normas Regulamentadoras de Ergonomia. Também é mentora de centenas de ergonomistas por todo o Brasil ensinando em suas mentorias como realizar Análises Ergonômicas do Trabalho nas empresas.

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